A Cupim #4 termina aqui. E ainda estamos aqui, neste mundo pandêmico e em plena crise climática, neste país ainda sombreado por sua herança colonial e governado por um líder negligente e negacionista, que flerta a todo momento com o que já conhecemos do fascismo, constituindo, ao mesmo tempo, sua nova face. Kafka, um século depois, ainda é capaz de iluminar este momento presente: “Há esperança infinita, mas não para nós”. Jonathan Franzen, por sua vez, reformula essa máxima, iluminando o caminho que nos resta à frente, no futuro possível: “não há esperança alguma, a não ser para nós”.
Diante desse cenário insistentemente desagregador, o que significa editar uma revista literária? Zoy Anastassakis, designer, professora e pesquisadora, ao analisar a deterioração da estrutura da Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ, caracterizou o trabalho dos cupins como “silencioso e invisível”, capaz de transformar o interior de portas e janelas em “outras insuspeitadas coisas”. Essas criaturas têm o cuidado de “não roer as suas superfícies externas, devorando o seu interior, para então adicionar um novo material, composto de saliva e excrementos”, construindo, assim, uma “(des)arquitetura”. Diante desse trabalho minucioso e indesejado, podemos tomar uma atitude ambígua: destruí-lo ou interrogá-lo. Segundo a professora, diante da infestação de cupins surge uma pergunta: que outras novas estórias essa arquitetura simbiótica nos convida a edificar?
A Cupim #4 termina aqui. Em total consonância com a natureza dos cupins, aqui está cravado um ano de ação e movimento. Para os editores, um ano de desejo, aprendizagem, diversão, consenso e dissenso, em outras palavras, experiência… e como é bom experimentar. No campo das autorias, uma alegria enorme, tanta gente e tanta forma! Um mosaico colorido de possibilidades expressivas. Dá gosto editar vocês. E os leitores? Para eles, tudo. Os dados, números e tabelas oferecidos pelo sistema apontam com pavorosa exatidão que as palavras que organizamos e desorganizamos estão chegando em centenas de pares de olhos. Cupins trabalhando por aí e entregando poesia, contos, traduções, ensaios e entrevistas. Movimento puro.
Essa edição incorpora um pouco das experiências anteriores, mas traz também suas novidades. Talvez a mais evidente seja nossa rotina de publicação. Antes a revista era postada inteira no mesmo dia, mas mudamos de ideia, coisa boa se experimenta aos bocados. Com a intenção de dar a devida ênfase a cada texto que compõe a edição, repartimos o processo de publicação, assim, o olhar do leitor pode se demorar texto por texto.
Desse modo, apostando que as pequenas partes iriam formar um todo, a edição começa com uma conversa entre a professora Sabrina Sedlmayer (UFMG) e o editor Otávio Moraes que atravessa temas como literatura, culinária e ensino. Prosseguimos publicando três jovens poetas que apontam, cada um(a) em sua medida, os caminhos vigorosos e diversos da poesia brasileira contemporânea: Clara Amorim (“Manifesto & Sobressaltos”), Marina Naves (“Hecatombe (de cem suspiros)”) e Gustavo Hatagima (“2 poemas de Gustavo Hatagima”). Sublinhando o diálogo com a tradição literária, explicitado nos textos dos dois últimos poetas, publicamos também uma nova tradução, diretamente do alemão, para uma carta do romance epistolar “Os sofrimentos do jovem Werther”, realizada pelo professor Luiz Henrique Coelho. No campo ensaístico, o ensaio “Uma encruzilhada sonora, política”, de Daniel Grimoni, e o ensaio-entrevista “Como rasurar a paisagem”, de Brenda K. Souza Gomes, expõem a dissidência de nomes e corpos no videopoema “Totem”, de André Vallias, e nas fotografias de Danilo Nascimento, respectivamente. Por fim, o retorno à infância, a hesitação diante da pergunta “doar ou não os brinquedos?” no conto “Quando usar Deus?”, de Diogo Aloni. Tudo isso brilhantemente friccionado através das ilustrações de Bernardo Morais, Fernanda X Maia, Isabela Righi e Vinícius Ribeiro, orquestradas pelo nosso editor visual Marco Marinho.
Diante desse cenário insistentemente agregador, o que significa editar uma revista literária?
03 de janeiro de 2022
Capa: Marco Marinho
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